21 setembro, 2006

Sob o Efeito da Água, de Rowan Woods


som

"People you´ve been before, that you don´t want around anymore"
Beteween the Bars, Madeleine Peyroux

visão

Uma ex-viciada em heroína, Tracy (Cate Blanchett), passou os últimos quatro anos se recuperando do vício e tenta levar uma vida normal, trabalhando como gerente de uma videolocadora em um bairro chinês em Sidney. Ela sonha comprar o negócio e ascender socialmente.

Tracy quer melhorar sua vida, recuperar-se definitivamente do vício e do tempo que perdeu alienada do convívio familiar e social. Ela dedica sua energia profissional a uma atividade que exerce com o entusiasmo possível a um trabalho pouco interessante. O que a motiva é a possibilidade de tornar-se sócia do lugar onde trabalha. Para isso, alimenta o sonho e tenta conseguir um empréstimo bancário. Todas as tentativas, porém, esbarram em seu rótulo de "ex-viciada" e em suas dívidas anteriores, as quais está tentando pagar.

reflexão

Apesar de sua dedicação e boa vontade, a luta de Tracy em busca da transcendência, da evolução, esbarra na escassez financeira e no seu passado. A impossibilidade de o ser-humano transformar sua vida, com seus próprios recursos e força de vontade, encontra aqui um porém. Nem sempre, numa sociedade dominada pela indiferença, é possível mudar. Nos chamarão, para sempre, de ex-viciados, ex-analfabetos, suicidas frustrados, depressivos em tratamento, ex-casados, excomungados. Estamos sem esperança?

Já a tive, algum dia?

confissão

Zé, como chamavam o Eduardo, ex-arquiteto e ex-interno no hospício onde me tratei, era um louco inquieto. Quando não estava fazendo seu nescafé com a água quente da mangueirinha do chuveiro, tratava a velha mesa de pingue-pongue como uma obra de arte em restauração. Pediu lixas, verniz e tinta à família: queria restaurá-la, vê-la brilhando e lisa. Quando ela ficou pronta, do jeito que havia imaginado, depois de três dias cuidando pessoalmente de seu restauro, chamou a todos para inaugurá-la.

Mas ninguém queria jogar pingue-pongue com o Eduardo.

05 setembro, 2006

Amantes Constantes, de Philippe Garrel


letra

"There is nothing like dream to create the future. Utopia today, flesh and blood tomorrow"
Victor Hugo

visão

Um grupo de estudantes franceses participa das revoltas do Maio de 1968, em Paris. Depois da repressão policial e da perda das ilusões de um possível levante socialista, os jovens se entregam ao ópio. Desse grupo, o jovem poeta François (Louis Garrel, o mesmo de Os Sonhadores) começa um relacionamento com a escultora Lylie (Clotilde Hesme).

reflexão

Como viver com o fim das ilusões e a anestesia que acompanha a perda do ideal? Pior do que desiludir-se pela crueza da realidade, é desistir de iludir-se. Vive-se, assim, uma vida cuja dose insuportável de realismo é ocasionalmente tolerada com o efeito sedativo e inebriante do ópio, ou qualquer outra "fuga" oportuna e necessária. O anestésico ameniza as dores de uma vida já cauterizada pela falta de perspectiva real de prosperidade ou de transcendência (sem sonhos nem utopias). Extinta a fonte do ópio, dessa única fonte de prazer possível, e extinto o círculo íntimo de amigos, que saíram do original e fundaram outros, a morte é uma solução plausível e atraente.


confissão

Deitado, sozinho no escuro, sobre um colchão que não era mais meu, chorei. L. e P. viajaram para Brasília e nunca mais entrariam comigo naquele cômodo, repleto de memórias e risos encaixotados. Na manhã seguinte, o caminhão de mudanças chegaria com seus braços e pernas. Hoje, estranhos dormem sob o céu que construí para elas.